Shakespeare e Tradução
About any one so great as Shakespeare,
it is probable that we can never be right;
and if we can never be right, it is better
that we should from time to time change
our way of being wrong.
T. S. Eliot |
O poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare nasceu em 1564 e morreu em 1616, aos 52 anos, a maior parte dos quais vividos numa Inglaterra governada pela rainha Elisabete I, último monarca da dinastia Tudor. Elisabete reinou de 1558 a 1603, quando assumiu o rei Jaime I, da dinastia escocesa dos Stuarts. Foi durante esse período que floresceu o chamado teatro elisabetano, um dos grandes marcos da história do teatro ocidental, depois do teatro grego e do medieval. Shakespeare escreveu 154 sonetos, 4 poemas - sendo 2 narrativos - e 37 peças (ou 38, se considerarmos The Two Noble Kinsmen, recentemente incorporada ao cânone), que lhe renderam um lugar de destaque entre os "clássicos" da literatura ocidental. Embora todo o conjunto de sua obra seja considerado admirável, é a sua dramaturgia que tem merecido especial atenção de críticos e exegetas amadores e profissionais. Suas peças têm sido constantem e nte relidas e reinterpretadas à luz das mais variadas teorias, como, por exemplo, o marxismo, a psicanálise, o pós-colonialismo, o multiculturalismo, os estudos femininos e feministas, a desconstrução e a nova história, em suas diferentes manifestações e correntes. Observa-se que, nos dias de hoje, há uma verdadeira apoteose de Shakespeare, com uma variedade imensa de montagens teatrais (de todas as peças do cânone, mesmo as que não eram tão populares anteriormente) e de reescritas para outros meios, como ópera, televisão e, principalmente, cinema. As temáticas deste grande poeta e dramaturgo, seus personagens, e palavras e expressões por ele criadas permeiam o nosso imaginário e o nosso dia a dia: Otelo é o símbolo do ciúme, Hamlet a personificação da indecisão e inação, Romeu e Julieta são o ideal do amor românt ico e lírico, e expressões como "meu reino por um cavalo", "há algo de podre no reino da Dinamarca", "há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa filosofia", etc. são constantemente repetidas nos mais diversos contextos.
No entanto, esse papel central da obra de William Shakespeare no cânone ocidental só veio a se consolidar efetivamente a partir do século XVIII. Foi então, junto com as primeiras manifestações do movimento romântico, na esteira de uma reação à tradição neoclássica francesa, que o Shakespeare elisabetano começou a ser traduzido, difundido e encenado, servindo de inspiração para obras nacionais em vários países e até mesmo contribuindo para a formação de literaturas ocidentais, como ocorreu na Alemanha. O papel da tradução na difusão da poesia dramática shakespeariana foi crucial, uma vez que, até o século 19, a língua inglesa não possuía o prestígio e o status que ostenta atualmente. O drama elisabetano foi uma explosão teatral inédita, propiciada pelo momento especial do ponto de vista político, lingüístico, filosófico e artístico, vivido pela Inglaterra. De 1576 a 1613, foram registrados mais de 800 títulos de peças (das quais só chegou até nós pouco mais da metade). Nesse mesmo período, havia cerca de 16 teatros funcionando em Londres, alguns com companhias permanentes, e uma grande quantidade de dramaturgos, que procuravam atender à demanda de novas peças para os repertórios das companhias. O teatro elisabetano era essencialmente o teatro da palavra. Através do texto, o dramaturgo pintava os cenários, indicava tempo e lugar, descrevia atmosferas e desenhava o perfil dos personagens. O público ia ao teatro, então, para ouvir uma peça, e os dramaturgos contavam com a sua boa vontade e imaginação para suprir a falta de cenários e figurinos. Um bom exemplo disso é o prólogo de Henrique V, onde o (personagem do) coro ex orta o público a usar da sua imaginação para ver os campos da França, os elmos e as montarias dos soldados.
A época elisabetana, situada em pleno Renascimento, era extremamente favorável ao cultivo das palavras e à composição poética, visto que a cultura ainda era essencialmente oral e o inglês moderno estava-se formando. Em parte com reflexo de tal conjuntura, o vocabulário de Shakespeare mostra-se extraordinariamente vasto, enriquecido por muitos neologismos. Suas obras constituem um corpus de 884.647 palavras. São cerca de 21 mil termos diferentes, o que o coloca como o autor de maior vocabulário em qualquer literatura.
A popularidade permanente de Shakespeare, até hoje um dos autores mais lidos e encenados no mundo inteiro, sem dúvida deve-se, em grande parte, às traduções, e lhes confere, de certa forma, um atestado de qualidade. Na sua grande maioria, os tradutores que se dedicam a traduzir uma ou mais de suas peças são estudiosos, entusiastas, eruditos, muitos deles poetas com produção própria. Diante da seriedade com que todos costumam empreender tal tarefa, parece leviano rotular, à primeira vista, uma tradução como “ruim”. Muitas vezes, ao se ter conhecimento do projeto tradutório e editorial de uma peça traduzida e publicada, percebe-se que certas soluções que pareciam “erros” óbvios refletem, na verdade, opções determinadas por critérios estabelecidos cuidadosamente pelo tradutor ou pela editora. Qualquer tradução de um t exto shakespeariano envolve uma série de decisões que geralmente são tomadas antes de se começar o trabalho de tradução propriamente dito, já que se constituem estratégias gerais, das quais depende o “sotaque” – ou seja, a forma, o estilo, o vocabulário, etc. – de cada Shakespeare “brasileiro”. Traduzir uma peça de Shakespeare envolve todo um esforço prévio de familiarização com o autor e a época, com a linguagem, e um esforço equivalente para encontrar, na nossa língua, os recursos necessários. O que acontece, muitas vezes, é que cada um de nós tem o “seu” Shakespeare, e tendemos, naturalmente, a rejeitar as traduções que trazem um Shakespeare diferente do nosso. Com este site, pretendemos ajudar aos leitores e interessados a encontrar, dentre as traduções brasileiras do cânone shakespe ariano já publicadas, aquela(s) que mais corresponde(m) às suas expectativas.
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